quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Um telefonema para Orides Fontela

Guardo muitas miudezas entre as páginas de meus livros. Cartões enviados por amigos, recortes de jornais, fotografias, registros de frases que li, ou que ouvi. Anotações de sonhos, de pensamentos, de ideias súbitas. Títulos de livros que nunca escrevi. Nomes esquisitos de cidades, de cachorros, de constelações, palavras que não sei o que significam, ou que desprezo.

Versos, muitos versos soltos. Restos, enfim, de minha vida banal, que preservo como provas de que, sim, apesar da grande dispersão, eu consigo viver. Reencontrar essas miudezas me ajuda quando estou desanimado, ou triste. São pegadas, que confirmam o quanto já avancei.

Ontem, folheando um livro, encontrei, em uma tira de papel arrancada da borda de um jornal, alguns versos de Orides Fontela _ a grande poeta, de que poucos, infelizmente se lembram. Dizem os versos que anotei: "Duas coisas admiro: a dura lei/ cobrindo-me/ e o céu estrelado/ dentro de mim". Tirei-os de "Kant (relido)".

Está tudo ali. Ali está sua poética. E, mais ainda, sua maneira de resistir. Primeiro: o reconhecimento das graves limitações humanas, que constituem, na verdade, a única lei que nos submete. Somos senhor e escravo _ tudo se passa em nosso interior. Podemos o que podemos. O que não podemos, não podemos. É simples assim a dura lei que nos encobre.

Mas, logo em seguida, e apesar da lei, Orides aponta o rombo infinito que guardamos no coração. Resume: "O céu estrelado/ dentro de mim". Sofreu, como poucos, da consciência extrema desse abismo. Viveu uma existência nômade, vagando pelas ruas de São Paulo, dependendo quase sempre da ajuda dos amigos. Provou do suco amargo da lei. Isso não a impediu de ser uma grande poeta. Ao contrário: tornou isso possível. Todo poeta empurra uma parede.

A Cosac Naify publicou, em 1996, sua Poesia reunida. Nela capturei esses versos que, aos garranchos, copiei em uma borda de jornal. Guadei-os entre as páginas de um livro qualquer. Livros são seres vivos. O mundo se agita e respira em seu interior. Por isso as traças os devoram, páginas suculentas e cheias de sangue.

Pego a Poesia reunida e, sempre aceitando a lei do acaso, chego a "Mapa", outro poema de Orides. Esbarro no verso final: "Eis a carta dos céus: tudo se move". Ali fico, à espera de um fecho inexistente. Apesar do que eu faça, ou deixe de fazer, a vida se movimenta. E isso não para.

Orides morreu em 1998, aos 58 anos de idade. Sozinha, triste, abandonada _ sobretudo por si mesma. Pouco antes de morrer, e depois de muita insistência, aceitou me dar uma entrevista. Exigiu uma conversa por telefone _ não queria que eu a visse. Era apenas uma voz, abstrata e fluida, desprovido de corpo. Não queria ser mais que isso.

Foi ríspida e indiferente, falava com má vontade, como se eu fosse um detetive, ou um carrasco. Não demorou muito e cortou a conversa. Usou uma frase seca, que senti como uma facada. Disse simplesmente: "Vou desligar. Não há fim, nem início". Só depois descobri que repetia um de seus versos.

Eles me remetem a outro verso de Orides: "Apenas o caminho, apenas seguir o caminho, nada mais".

Autor: José Castello.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Orides Fontela: o maior bem possível é a sua poesia .

Impossível falar de Orides Fontela sem comentar a sua vida tão atormentada, numa seqüência de depressões e doenças. Por isso, jornais e revistassempre focalizaram mais os detalhes sórdidos de sua vida e pouco a sua poesia. Agora, que ela se foi, espera-se que a poesia de qualidade que ela produziu passe a ocupar o primeiro plano. Sua obra pequena, concentrada e econômica, tem qualidade e intensidade para continuar sendo lida e admirada. Mesmo em vida, Fontela teve um reconhecimento crítico considerável. Seu talento nunca foi negado. Já que falar da biografia de Orides Fontela é inevitável, convémdes de o início esclarecer alguns equívocos que cercam sua história. Há uma tendência para fazer de Fontela uma vítima da sociedade. Muitos querem compará-la a Cruz e Souza ou a Lima Barreto. Ela mesma em uma entrevista disse que era a poeta mais pobre do Brasil. Igual a ela, dizia, somente Cruz e Souza.É verdade que veio de uma família muito pobre, de pais analfabetos, que inclusive transmitiram-lhe a sífilis. Esse complexo de inferioridade social acompanhou Orides desde São João da Boa Vista, terra que produziu muitos talentos, além dela, a pianista Guiomar Novais e o crítico Davi Arrigucci Jr. Uma matéria de Mario Sabino publicada na revista Veja de outubro de 1995 traça um perfil bem realista do que era o convívio com Orides. A verdade é que Orides encontrou em São Paulo apoio em diversas ocasiões. Antônio Cândido, Augusto Massi, Davi Arrigucci Jr., José Mindlin, Maria Antônia (da Livraria e Editora Duas Cidades), Marilena Chauí, Eunice Arruda, Ieda de Abreu sempre a auxiliaram. Aposentada, tinha uma pequena renda que não era muito diferente do que recebe a grande maioria. Todos do meio reconhecem a infinita paciênciade Massi para com ela. A edição de Trevo, pela Duas Cidades, foi um dos melhores momentos da vida de Orides. Até o fim, teve a fidelidade e amizade de Gerda que soube compreender suas idiossincrasias. Portanto, a personalidade de Orides er amuito complexa e difícil. Não cabe culpar aqueles de boa vontade que tentaram ajudá-la.Nem a ela, por ser de trato tão difícil. Em conversas que tive com ela, reconhecia que era áspera, sem travas na língua e que se indispunha com as pessoas. Muito isolada nos últimos anos, dizia que estava mais amena. A própria fragilidade física tirara-lhe a disposição para a briga. À sua maneira, era uma aristocrata. Pedíamo-lhes bom senso, bons modos, contenção e ela nos respondia com desdém,irreverência, frases cortantes e excessos aos nossos apelos de classe média bem comportada. Como julgá-la quando muito de nós estávamos sendo assombrados pelos mesmos fantasmas? O poeta, dramaturgo e diretor de teatro Celso Alves Cruz traçou-lhe o retrato em um poema muito apropriadamente chamado A selvagem Orides. Filha única,solitária, sem filhos ou parentes próximos, sem móveis ou objetos acumulados a única e principal referência de Orides era a sua poesia. Embora tenha sido desleixa da até mesmocom sua saúde, era zelosa com sua poesia. Tinha consciência do seu valor como poeta. Interessava-se pela divulgação e a edição de suas obras. Ultimamente, estava preocupada com a edição de Trevo na França que não chegou a ver. Na última vez que falamos ao telefone, já internada em Campos do Jordão, ela pediu notícias do livro. Portanto, a melhor homenagem que os poetas podem prestar-lhe é continuar editando sua poesia para que ela se multiplique. A obra de Orides permanece límpidae sem arestas. Nunca foi contaminada pela mesquinharia do quotidiano. Há um tom de amargura lírica e seca em seus poemas. Em momento algum, ela é sentimental, derramada ou frouxa. Sua voz poética original nasceu praticamente formada no primeiro livro.

Seu alheamento a correntes ou modismos, possibilitou uma poesia que prima pela concisão, pela economia de recursos e densidade. Tornou-se lugar comum falar da poesia que busca o silêncio. Para alguns, isso significa não ter nada a dizer ou produzir fiapos sem sintaxe. Para outros, com Orides, significa deter-se no que é essencial. É uma poesia descarnada, sem enfeites, de uma dureza óssea e de cunho filosófico. Difere muito da poesia minimalista, coloquial e de descrição de paisagens miniaturizadas. Penso na poesia do mineiro Ronald Polito, autor de Intervalos, com uma das poucas que têm afinidade coma obra de Orides Fontela Como leitor, costumava ser versos como quem lesse um koan.

Para minha surpresa, não havia nenhuma suavidade na leitura feita pela própria Orides. Ela lia seus poemas de maneira forte, vigorosa, sincopada. Foiumaexperiência reveladora vê-la numa grande cadeira da Livraria Duas Cidades tratando sua poesia com voz incisiva e decidida. Causava um estranhamento saber que a quela energia poética vinha de uma mulher tão frágil e com a saúde debilitada. Penso que ela gostaria de ser lembrada por sua produção poética. Numa entrevista, disse que "o maior bem possível é a poesia" Seu fim em um hospital público, foi o desenlace de um drama sempre anunciado. Não difere muito do fim de uma poeta como Marina Tsvetaeiva que foi jogada numa vala comum, depois de se suicidar, na Sibéria para onde fora deportada. Como quase todo poeta, Fontela não tinha o menor senso para a vida prática. Nunca conseguirse desvencilhar dos traumas familiares e das armadilhas que a vida foi lhe reservando. Aos 58 anos, parecia ter vinte anos mais. O sofrimento acabou. Está calada sua voz áspera. O melhor e o mais precioso bem que ela nos legou é sua poesia.

Autor: Donizete Galvão.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

VERSURA E O FIM DO POEMA EM ORIDES FONTELA:

TÓPICOS DE UMA CALEIDOSCÓPICA ESCRITA

O fluxo obriga
qualquer flor
a abrigar-se em si mesma
sem memória

(FONTELA, 2006, p. 12)

Coruja

Vôo onde ninguém mais - vivo em luz
mínima
ouço o mínimo arfar - farejo o
sangue

e capturo
a presa
em pleno escuro

(FONTELA, 2006, p. 203)

A poesia de Orides Fontela floresceu a partir somente de uma sua experiência íntima, solitária, que o seu livro de estréia, Transposição (1969) deflagra e a obra última de 1996, Teia, encerra. O que guardam estes quase 30 anos de poesia? Que segredos existem no silêncio abissal de seus poemas tão justos, econômicos e concisos quanto a vida desta que os concebeu?

O silêncio diz respeito não só ao seu estilo poético, mas sobretudo a uma postura diante das relações intelectuais travadas pela intelligentsia paulistana? dos anos 60 aos 90. Avessa às rodas sociais e ao eixo de influências beats encabeçado por Cláudio Willer e Roberto Piva, Orides Fontela logrou a esquiva e fez d-a verbalização do sangue. (FONTELA, 2006, p. 25) um sutilíssimo lugar poético, como aponta um de seus raros amigos, Davi Arrigucci Jr., na entrevista dada à revista Jandira da Universidade Federal de Juiz de Fora. CITO? Todas as fontes que tratam da poeta são categóricas em mencionar o quanto seu universo sigético ansiava por uma busca essencial pela beleza e pelo modo obcecado com que manejava a poesia a partir de uma discreta cirurgia da flor(*).

Embora sua obra inicial contivesse já uma proposta poética da concisão, percebemos os insidiosos conflitos que levam aos pares ambivalentes, geradores do impasse a que sua poesia muitas vezes chega:

Mãos

Com as mãos nuas
lavrar o campo:

as mãos se ferindo
nos seres, arestas
da subjacente unidade

as mãos desenterrando
luzesfragmentos
do anterior espelho

com as mãos nuas
lavrar o campo:

desnudar a estrela essencial
sem ter piedade do sangue.

(FONTELA, 2006, p. 20)

É portanto no despojamento do ato que se encontra o fazer poético: com as mãos nuas. A atividade laboral do poeta também marca tal empreendimento, no sentido de que macula a origem do "anterior espelho" à medida que as mesmas mãos empregam agora a "alta agonia" de "mãos se ferindo/ nos seres, arestas". Munida da atividade "cavadora do infinito" (Cruz e Sousa?) geruntiva a que o verso "as mãos desenterrando" alude, o poema de Orides Fontela vai ao encontro do seu próprio devir, que para Deleuze fica claro em "A Literatura e a Vida":

O mundo é o conjunto dos sintomas cuja doença se confunde com o homem. A literatura aparece, então, como um empreendimento de saúde: não que o escritor tenha forçosamente uma saúde de ferro (...) mas ele goza de uma frágil saúde irresistível, que provém do fato de ter visto e ouvido coisas demasiado grandes para ele, fortes demais, irrespiráveis, cuja passagem o esgota, dando-lhe contudo devires que uma gorda saúde dominante tornaria impossíveis. Do que viu e ouviu, o escritor regressa com os olhos vermelhos, com os tímpanos perfurados.

(DELEUZE, 1997, p. 17)

É neste sentido que a estratégia da poesia de Fontela parece sugerir as fontes de ambivalência, já que o seu sujeito poético se engendra no limiar, no espaço de fronteira entre a experiência genesíaca de não saber/ poder ou desejar nomear, e a "difícil prova" de "desnudar a estrela essencial/ sem ter piedade do sangue." e das mãos. Do choque dessa experiência terrível que Deleuze menciona no excerto acima, a voz lírica de Orides retorna não só com os tímpanos perfurados ou com olhos vermelhos, mas com a certeza de que é preciso manejar cirurgicamente "a palavra áspera e não plástica." (FONTELA, 2006, p. 23). Desse modo, a cerzidura de sua escrita garante a consciência como potência (no sentido agambeniano. Cf. Profanações) que levou muitas vezes esta literatura à total falta de compreensão ou, pior, à acusação de que o universo fonteliano erigia-se ou sob a abstração mais completa ou sob a tutela da obviedade literal de alguns sonetos que aparecem em seu último livro, por exemplo. É evidente, no entanto, que alguma visceralidade da primeira obra publicada, possa confundir ou dispersar o leitor, mas negar o simbólico das imagéticas de Orides é também prostrá-la ao risco infantil de " poetas menores e poetas maiores".

Orides Fontela nunca quis compor a constelação verborrágica, engajada e/ou puramente religiosa de sua época. Orides Fontela nunca se valeu das relações uspianas que tinha com muitos como Olgária Mattos, José Miguel Wisnik, Antonio Candido, para se promover de forma inadvertida, estéril ou de maneira passiva. Pelo contrário: Davi Arrigucci Jr. aponta sempre a inacessibilidade, a solidão clausular e a vida monástica da poeta. (MAIS)

Outrossim, podemos encontrar na poesia de Orides Fontela um uso sistêmico do que Giorgio Agamben nomeia por o fim do poema, traço que sintetizaria o problema de uma alta voltagem no escopo do texto: "a poesia não vive senão na tensão e no contraste (e, portanto, também na possível interferência) entre o som e o sentido, entre a série semiótica e a série semântica" (AGAMBEN, 2002, p. 142). De igual modo, podemos ligar a tal proposição a formulação de Mallarmé também citada por Agamben, de que o verso é a instância que se define pelo estado de suspensão (être de suspens):

O espelho

O
espelho: atra
vés
de seu líquido nada
me des
dobro.

Ser quem me
olha
e olhar seus
olhos
nada de
nada
duplo
mistério.

Não amo
o espelho: temo-o

(FONTELA, 2006, p. 212)

No poema em questão, depreendemos claramente o processo de incompletude presente em duas palavras nevrálgicas para o todo semântico do texto, e ambas na mesma estrofe: através e desdobro. Em através identificamos o rompimento do radical (través) na confecção do verso, cujo significado só pode ser pretensamente completo através/ por meio do enjambement, isto é, as relações entre som e sentido são dadas sobretudo na fluência dos intervalos que não só impedem a totalidade, como também criam outras validades semânticas. Dado o título do poema, a caleidoscópica escrita de Orides Fontela sugere o jogo de espelhos, próprio também do excesso de visão a que Deleuze anteriormente convencionava. Um outro aspecto que deve ser mencionado é a relação de contigüidade existente na ocasião do uso da palavra espelho, tão cara a esta poética. O jogo especula, ou melhor, a tensão ótica obriga o sujeito poético a confrontar o espelho a um complemento enumerado, como se refletisse a suspensão (o espelho: atra/ vés) ou a exatamente a temeridade do objeto refletido, daí o esfacelamento da palavra. Se na poesia fonteliana "toda palavra é crueldade", todo espelho é ludismo de ferir, arma caleidoscópica a incidir a luz mais lúcida do meio-dia sobre o "corpo/ denso amargamente impuro" (FONTELA, 2006, p. 303). O que movimenta a versura desta poesia é, com efeito, talvez a própria consciência poética da impossibilidade de continuidade. Para tanto, convém demonstrar o que o próprio Agamben entende acerca do conceito que aqui nos convém, que é o de versura:

E o poema é um organismo que se funda sobre a percepção de limites e terminações, que definem, sem jamais coincidir completamente e quase em oposta divergência - unidades sonoras (ou gráficas) e unidades semânticas (...) Podemos contar as sílabas e os acentos, verificar as sinalefas e as cesuras, classificar anomalias e regularidades: mas o verso é, em qualquer caso, uma unidade que encontra o seu principium individuationis somente no fim, que se define só no ponto em que finda. Em outro trabalho, propus dar o nome de versura - do termo latino que indica o ponto no qual o arado faz a volta, ao final do sulco - a esse traço essencial do verso que, talvez mesmo por ser tão evidente, permaneceu inominado entre os modernos.

(AGAMBEN, 2002, p. 143)

A versura está atrelada, portanto, ao universo campestre/ rústico do poema, em que podemos destacar o papel nodular do "desdobro" / desdobramento do verso que, como já vimos anteriormente no poema "O Espelho", é de extrema relevância para a poesia aqui em questão. É ainda conveniente fazermos referência, agora de forma mais clara, ao texto de Flora Sussekind, sobre Orides Fontela, no qual a ensaísta sugere uma leitura desfolhada e laminar dos muitos poemas-fragmentos da poeta que :

em meio a um uso hábil do verso curto, dos parênteses e dos dois pontos, abre-se, aos poucos, um leque e tematiza-se, sem alarde, nesse movimento, o modo como se tramam, aí, a rosa, e uma forma lacerada de expressão. Trama poética que, quase limite, silêncio, na imprevisibilidade seca do fragmento, na paciência armada de Orides Fontela, vira por vezes pétala, lâmina, seta.

(SUSSEKIND, 2002, p. 338)

E quanto ao fim do poema, fim do texto, retornamos ao mesmo texto matricial, homonimamente intitulado. Giorgio Agamben, em seu texto "O Fim do Poema", ressalta a idéia de que os últimos versos aludem, em geral, a um desarranjo, uma cisão inesperada ou tão urgente que só é cabível na contingência da interrupção definitiva. Nos poemas fontelianos encontramos a fonte dessa reflexão: os últimos versos marcam inadvertidamente o espaço da versura rasurada, do intervalo prolongado ou tácito demais.

A poesia de Orides Fontela não é harmoniosa. Mesmo inscrita sob e sobre flores, luzes, espelhos, ânforas e albas, os cristais que giram sabem a sangue. Sua luz é impiedosa, e por isso não ilumina a tudo, só ao meio-dia. Por muito do apresentado, essa escrita permanece no "silêncio que não é mudez" (Ana C.). Orides Fontela sabia, a contrapelo, e à flor-da-pele que "onde tudo é vivo nenhum/ barco furtivo se aventura."

E para finalizar a minha fala, vou ao encontro da fala dela, Orides:

FALA

Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real nunca é suave.

Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.

Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.
Não há piedade nos signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.

(Toda palavra é crueldade.)

Escrito por: Tatiana Pequeno da Silva (Doutorado - UFRJ)

domingo, 12 de dezembro de 2010

A POETA ORIDES FONTELA

Hoje, não peçam razão,me lembrei da poeta Orides Fontela. Só a vi uma vez, uma única vez, por ocasião do seu livro Teia, lançado na bienal quando ainda era no Parque Ibirapuera, em São Paulo. Na época, uma noite de junho, as bienais por aqui sempre eram no frio, eu tinha por companheira a antropóloga Rosangela Borges. Aluna da doutora Marilena Chauí, de quem Ordides foi colega na faculdade de filosofia da USP (Universidade São Paulo), logo me foi avisando: Orides seria alguém intratável, de poucos amigos e sorriso nenhum.

Tinha, por incumbência da revista Manchete, ir vê-la.Fui ao estande onde ela lançava o seu Teia. Fui preparado, certo de ver uma senhora sisuda, atrás de uma mesa, assinando seu livro. Dei com uma mulher sem pintura no rosto, calça jeans, camiseta, sapatos baixos, de pequena estatura. Era a própria. Fui dizendo o que queria, maravilhado pelos versos de Teia.

A poeta, que julguei malcriada, apanhou um cigarro e me puxou pelo braço. Deixa eu terminar de assinar esses livros e te falo, ela disse. Já meio tarde da noite, saímos, ela, Rosangela e eu. Perguntou-me onde havia um bar mais perto. Fomos a pé. Pediu cerveja, eu cachaça, Rosangela não bebia. Começou a me contar da vida. Me chamou duas vezes de menino bonito. Era de uma cidade do interior paulista, São João da Boa Vista. Os pais, sem instrução, trabalhavam na roça. Por lá mesmo ela fez a escola normal. Lecionou em grupo escolar. Veio a São Paulo,fez filosofia na USP, morou em república. Especializou-se em Pascal. Um dia me disse que ficou louca. Morava num apartamento pequeno, no centro de São Paulo. Chegou bêbada em casa. Tocou fogo em tudo. Quase foi indigente. Uma amiga não permitiu. E levou-a consigo para a casa do estudante, na avenida São João. Deve ter sido por lá que concebeu os versos de Teia.

Uma noite, pelo poeta e amigo Álvaro Alves de Faria, soube que Orides havia morrido. Tuberculosa, num hospital público em Campos do Jordão, uma cidade do Vale do Paraíba, em São Paulo, de clima frio, apropriado para doentes do pulmão. Soube mais pelo poeta: só não foi enterrada como indigente por conta do médico que a tratou. Um ano depois, uma grande editora publicou sua obra completa numa edição de luxo, o que não era do seu costume de mulher simples.Foi feito um lindíssimo ensaio do professor Antônio Cândido,o maior crítico literário brasileiro e um de seus poucos amigos. Mas ela não teve tempo pra ver, como geralmente acontece com os grandes poetas.

Um pouco dela.

POLICIAL

Culpados
ou
cúmplices
nunca temos
álibi:

por força,
estamos
aqui.


TEOLOGIA

Não sou um deus. Graças a todos
os deuses!
Sou carne viva e
sal. Posso morrer.

___________
O.F.

Autor: Júlio Saraiva.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Curtinhas (inspiradas em Orides Fontela)

I

meu querer

vacila

ama você

sem querer

II

gosto da cor da sua boca

acordo sua boca

ao gosto da minha

e te amo pela manhã

Sobre Orides Fontela (1940/1998): os primeiros trabalhos da poeta paulista foram publicados em 1956, no jornal “O Município”, de sua cidade natal, São João da Boa Vista. Em 1967 mudou-se para São Paulo, ingressando no curso de filosofia da Universidade de São Paulo - USP. Estreou com o livro de poemas Transposição, em 1969, e recebeu o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) em 1996, pelo livro “Teia”, que reúne toda a sua obra. Morreu em 1998, num sanatório em Campos do Jordão, São Paulo, na miséria.

Orides Fontela possuía completo domínio sobre a língua portuguesa, usando as palavras de forma precisa. Era hábil e laboriosa na construção do sentido poético, tornando os poemas exercícios cerebrais, sem perder a sutileza. Os poemas são formados na medida do necessário. E Orides Fontela mostra que a poesia necessita de pouco para ser bela.

Fonte: Revista Autor.

A teia de Orides Fontela

No julgamento do poeta russo Joseph Brodsky, o juiz lhe perguntou qual era o seu trabalho real, e ele respondeu que era poeta e tradutor de poesia. “Quem reconheceu o senhor como poeta e lhe deu um lugar entre eles?”, perguntou o juiz. E ele respondeu: “Ninguém. E quem me deu um lugar entre a raça humana?”. Brodsky foi condenado a cinco anos de trabalhos forçados, numa fazenda estatal de Arcangel, na função de carregador de estrume. Ele tinha 24 anos.

No programa do Jô Soares, a poeta paulista Orides Fontela (1940-1998) declarou: “Eu estou mal por causa do problema social, da proletarização total. Eu poderia trabalhar até como faxineira. O problema é que sou péssima dona-de-casa, só sei mesmo escrever poesia, e disso não se vive no Brasil.

Os poetas têm sempre um quê de inadaptação ao mundo, e Orides não fugia à regra, tanto que tentou suicídio várias vezes e acabou morrendo isolada num sanatório. De fato, a idéia de autodestruição e morte estiveram presentes na sua obra, mas sabe-se que ela era muito zelosa com o seu trabalho poético, ao contrário do desleixo com que tratava a própria saúde.

Alguns críticos afirmam que Orides morreu na miséria não só por causa de sua origem pobre e pelas dificuldades que encontrou durante a sua vida solitária. Ela era, essencialmente, uma pessoa difícil, de personalidade muito forte. O escritor Donizete Galvão declarou sobre essa contradição: “Mesmo em vida, Fontela teve um reconhecimento crítico considerável. Seu talento nunca foi negado. Há uma tendência para fazer de Fontela uma vítima da sociedade. Muitos querem compará-la a Cruz e Souza ou Lima Barreto. Ela mesma em uma entrevista disse que era a poeta mais pobre do Brasil.”

Orides de Lourdes Teixeira Fontela nasceu em 21 de abril de 1940, em São João da Boa Vista, interior de São Paulo. Filha de Álvaro Fontela, operário, e de Laurinda Teixeira Fontela, aos 16 anos publicou seus primeiros poemas em O Município, periódico de sua cidade natal. Em 1967 teve dois poemas publicados no Suplemento Literário de O Estado de São Paulo. Seu primeiro livro de poesia Transposição, foi lançado em 1969, época em que cursava Filosofia na Usp.

Seguiram-se Helianto (1973), Alba, (1983), com o qual recebeu o prêmio Jabuti de poesia, concedido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), Rosácea (1986), Trevo, que é a obra completa reunida até então, (1988), e Teia, com o qual recebeu o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), em 1996. Na França, os poemas foram publicados em dois volumes, com o título Trèfle. Teve influências da poesia de Baudelaire, Carlos Drummond de Andrade, Cassiano Ricardo, Fernando Pessoa, Mallarmé e conviveu com Antonio Candido, Augusto Massi, Davi Arrigucci Jr. e Roswitha Kempf. Foi professora primária e bibliotecária.

O crítico Antonio Candido assim definiu a obra da autora, de tendências contemporâneas: “Orides Fontela tem um dos dons essenciais da modernidade: dizer densamente muita coisa por meio de poucas, quase nenhumas palavras, organizadas numa sintaxe que parece fechar a comunicação, mas na verdade multiplica as suas possibilidades. Denso, breve, fulgurante, o seu verso é rico e quase inesgotável, convidando o leitor a voltar diversas vezes, a procurar novas dimensões e várias possibilidades de sentido. Estes poemas podem parecer às vezes malabarismo, mas é fácil ver que o jogo das palavras ou o aparente truque sintático correspondem, pelo contrário, a uma mensagem atuante. O que pode parecer acessório é de fato essencial. O leitor tem várias entradas possíveis para este fascinante universo. Quero indicar apenas uma, e de relance: a que verifica a presença da inquietação poética, da interrogação que se traduz em tentativa de correlacionar da maneira mais funda possível o silêncio e a palavra, a ausência e a presença, o momento do inexpresso, onde tudo parece mais rico, porque é pura virtualidade, e o momento da expressão, quando o discurso se constitui e o poeta corre o risco de não ter dito o que era preciso.


Teia

A teia, não
mágica
mas arma, armadilha

a teia, não
morta
mas sensitiva, vivente

a teia, não
arte
mas trabalho, tensa

a teia, não
virgem
mas intensamente
----------- prenhe:

no
centro
a aranha espera.

Fonte: Artefato Cultural.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Vemos por espelhos

“Vemos por espelho
e enigma
(mas haverá outra forma
de ver?)

O espelho dissolve
o tempo
o espelho aprofunda
o enigma
o espelho devora
a face”.

A estrela da tarde

A estrela da tarde está
madura
e sem nenhum perfume


A estrela da tarde é
infecunda
e altíssima


Depois da estrela da tarde
so há:
o silêncio.

A lucidez alucina

A imagem criativa na poesia de Orides Fontela

Orides Fontela nasceu em São João da Boa Vista, cidade do interior de São Paulo, em 21 de abril de 1940, de família pobre e pais analfabetos. Desde 1969, publicou 5 livros de poesia e, do último, Teia, extraímos os poemas para os comentários.

O jornalista Luis Nassif, que conviveu esporadicamente com ela e escreveu uma crônica relatando passagem histórica de sua vida, afirma “Orides já faz parte do Olimpo das maiores poetas do século…”. Soma-se esta afirmação a uma reputação merecida que a poeta vai ganhando, com o tempo. Tendo sido considerada uma pessoa muito pobre - cursou a faculdade de filosofia com muito sacrifício - sua miséria foi comparada à de Cruz e Souza, mas na verdade possuía uma pequena renda de aposentadoria como bibliotecária. E, segundo o poeta Donizete Galvão, em artigo, Orides encontrou em São Paulo apoio de diversas pessoas, como Antonio Cândido, José Mindlin, Marilena Chauí, entre outros. Completando, Galvão confirma que “mesmo em vida, Fontela teve um reconhecimento crítico considerável (…) em conversas que tive com ela, reconhecia que era áspera, sem travas na língua e que se indispunha com as pessoas. Muito isolada nos últimos anos, dizia que estava mais amena. A própria fragilidade física tirara-lhe a disposição para a briga(…) embora tenha sido desleixada até mesmo com sua saúde, era zelosa com sua poesia…”

Pelo que se sabe, a vida da poeta Orides Fontela, repleta de contradições, não lhe permitia o menor tipo de adaptação ao convívio social e, por estranho que pareça, não se refletia isso em sua poesia meiga, de convívio harmônico com elementos da natureza, como pássaros, pedras, água, rio, estrelas, entre outros. Esse conflito, provavelmente tenha sido seu elemento trágico e, porque não, também condutor de sua intensa criatividade, lembrando-nos aquele ditado, “Deus escreve certo por linhas tortas”.

Provavelmente a criatividade de Orides estivesse entre essas duas extremidades tensionadas, como pontos atuantes de posições contrárias; de um lado seu inconsciente repleto de imagens e, de outro, o Daimon incendiado de seu comportamento rebelde com a vida real a enfrentar. Vejamos isso nas palavras de Nassif: “… Vivia miseravelmente. Fez carreira no serviço público e se aposentou como bibliotecária. Teve consagração em vida dos maiores críticos nacionais, dentre os quais Antonio Cândido de Mello e Souza. O professor a ajudou como pôde, com críticas consagradoras e com uma bolsa de estudos que ele recebera de uma fundação estrangeira (…) Orides reagia como um bicho acuado, um vulcão de sensibilidade que explodia na poesia, mas não conseguia canalizar para relações pessoais (…) do professor, cortou as roseiras. Deve ter feito pior com David Arrigucci. Fazia escândalos com amigos, explodia com protetores, se perdia e perdia tudo o que tinha e, quando nada mais tinha, ia abrigar o corpo magro no velho prédio da Casa do Estudante…” A seguir, o próprio Nassif estabelece os sinais do contraste da poeta, dizendo: “…a única luz que provinha dela saía pelos poemas que rabiscava desesperadamente, até se esvair de vez em um sanatório de Campos de Jordão, anos atrás…”

Na sociedade em que vivemos, esses milhares de coisas chamadas de “criação”, verdadeiramente não o são; trata-se apenas do alimento diário, repetitivo, para engordar o grande ego consumista, a que foram transformados os seres comuns, via uma persona coletiva, revestida de comportamento mascarado, objeto do marketing comercial. Ela induz o ego ao único exercício de consumir todo o tempo na pretensa conquista do produto inútil. Portanto, a cultura predominante torna “compreensíveis” tais absurdos, inculcados no ser humano comum, pela excessiva produção da mercadoria, desnecessária e violenta, onde a simplicidade da poesia, em sua lógica de alma, passa a não ser compreendida. A poesia, ao não conviver com a violentação do ser, torna-se um contra-senso para a cultura de mercado. E Orides consumiu seu corpo, colocando-o diante das máquinas de guerra desse exército da realidade crua. Alguém poderia imaginar um tanque de guerra desviar-se de seu caminho para não amassar uma flor? Orides Fontela, sem levar em conta sua própria fragilidade, iludia-se, ao super valorizar sua energia interior, de flor, cuja beleza ser-lhe-ia uma verdade suficiente para enfrentar as armas da barbárie. Uma lógica ingênua? Ou uma entrega de corpo e alma, assumida? E seu profundo viver, no mundo subjetivo, criava-lhe dificuldades para distinguir entre amigos aliados e reais inimigos.

A máscara de “novidades”, que ilude consumidores, estabelece dificuldades para entender o processo criativo da poesia, e tal compreensão só pode ser conseguida por uma alma liberta, não escravizada aos poderes inúteis e mórbidos do grande impostor da realidade. Em contrapartida, trilhar o caminho da alma corresponde ao encontro psíquico da auto realização, que convive em harmonia com sua matéria-prima de criação: a natureza. E, através da poesia, pode-se viver com um consumo material mínimo, porque a maior felicidade, nesse caso, é o fazer alma; sendo muito precioso todo o tempo para essa grandiosa operação de amor.

Mario MaffioliNesse contexto, o tempo de vida torna-se uma questão relativa: muitos podem viver 90 anos ou mais, entregando-se ao serviço das relações de mercado exigidas pelo monstro, que devora cada minuto; e outros viverão sua autonomia, talvez em 10 ou 20 anos de intensa criação, a produzir o próprio mundo interior, de símbolos fantásticos e estranhos, em expansão por um cosmo quase infinito. E no momento mais inesperado esse infinito reverte-se, por um buraco negro, para a própria noite estrelada da imaginação pessoal, também, por sua vez, quase infinita, formando uma espécie de círculo animado, em forma de espiral. Mas de natureza autônoma, quer dizer, criativa, pois, o conceito é de natureza repetitiva e a imagem é geradora da novidade.

Criar significa realizar coisas inteiramente novas, que proporcionam energia libidinal e não alienação nos deuses alheios. E os próprios seres, ao nascer, são sempre diferentes, sempre uma conclusão que transcendeu o passado e desprendeu-se em forma de um intermédio novo e autônomo. O nascer, ao produzir elementos inesperados, portanto, criações, assemelha-se ao processo animado da alma em vida, isto é, produção de novidades por intermédio da fantasia, no nascimento de seres simbólicos que alimentam o sentido de viver, e dão gosto. Provavelmente não seja a poesia a criadora de símbolos, mas sim de imagens, e o símbolo nasce delas, como figura de vida própria, com a qual o poeta se surpreende e passa a conviver, muitas vezes tão profundamente que se esquece da outra vida, a realidade de ganhar dinheiro para comer.

A partir do momento do nascer - que para Orides Fontela se dá no grito - os seres são tomados, paulatinamente, pelo processo repetitivo da “novidade” consumista, adaptando-se de variadas formas a essa consciência “racional”, em que o desenvolvimento mergulhou o mundo numa destruição continua, até a morte. Os seres “desenvolvem-se” imperceptivelmente nessa corporificação, como produtos, com suas respectivas máscaras; aquelas da concorrência violenta ou mesmo do bom comportamento, incluindo uma ética adaptada a isso. Serão operários, médicos, engenheiros, professores, desempregados, e até mesmo revolucionários; ou mulheres reflexos desses espelhos masculinos (onde emancipar-se é ascender à condição do masculino), enfim, seres do repetitivo viver destruindo, com a matriz reprodutiva num fator subliminar da máscara, absoluto e onipotente; um ou vários deuses complementares, porém externos a suas vidas.

Os seres humanos são, de uma maneira geral, pessoas desesperadas para cumprir uma missão, desprezando e estabelecendo como “função secundaria” as solicitações da alma, sedenta de libido para alimentar e despertar a Psique, adormecida de tanto padecer e ser torturada em sua procura de Eros. E a vitalidade erótica da alma, será tachada pelo mercado como inútil e indolente.

Porém, alguns parecem ter sido revestidos pela natureza com o prêmio de sua capa protetora, constituída de elementos intuitivos de extrema sensibilidade e vidência, que se concretizam em uma chama primordial do fogo criativo. Tais pessoas entregam todas as forças de seu frágil ser a um exercício incansável, e surge a surpreendente energia. Nesse processo, suas almas se apaixonam e nunca mais largam a luz primitiva e reveladora com que incendeiam a vida e incomodam a tranqüilidade repetitiva dos outros. Assim nos parece Orides Fontela. E ela própria resume sua vida nesta poesia: Apocalipse - Uma estrela/ atrai/ a luz – uma estrela/ suga/ o resto do/ resto, o/ silencio – elide os deuses, im/ plode – acaba morre/ finalissi/ mamente.

Orides Fontela, em sua vida cotidiana é possuída por um Eros que na antiguidade, nas tragédias gregas, era considerado como “…hostil, louco, mentiroso, portador de infortúnios, tirano, enganador” ou “deus temível em vista da devastação que ocasiona na vida humana (…) um tigre, não um gatinho de estimação” (A.E.Taylor, citado por J. Hillman). Mas segundo o próprio Hillman, esse Eros violento, rebelde, é assim enquanto não for contido pela Psique (o fruto adormecido de seu amor) “…enquanto continuar inconstante e possuído pelo complexo materno, devido sobretudo, a uma anima (alma) que ainda não emergiu de falsos valores, de noções vãs de beleza e da incerteza psicológica sobre si mesma, como alma, e que, por isso ainda não é um vaso capaz de conter a força criativa de Eros…”. Diríamos que assim foi nossa poeta Orides, em seu comportamento externo, na vida social, encarnada ao espírito do Eros desgovernado, enquanto ela própria não fosse possuída e contida por sua Psique adormecida, só despertando, constantemente, no outro mundo da poesia.

Na transcendência dessa passagem para o amor, onde Eros aplica sua flecha dolorida, a Psique da poeta seria constantemente despertada de um sono de profundo sofrimento e se enlaçaria a esse amor - por isso… Sempre é melhor/ sofrer/ que não sofrer (Axiomas) - para um amor tranqüilo no símbolo poético, onde Psique deixa também de ser inocente: Balada: Os anjos são/ livres. // Podemos sofrer/ podemos viver/ o acontecer/ único// – os anjos são/ livres –// podemos morrer/ inocentemente// - e os anjos são/ livres/ até da inocência.

Mais do que um significado correspondente ao sofrimento de Psique, que esperaríamos encontrar através de uma possível reclamação de amor, em poemas de paixão frustrada – coisa comum em poesia lírica – ou uma possível violência louca de Eros, carente de Psique (e vice versa), ao contrário, em Orides, isso fica plasmado nos poemas, em símbolos formados, com novas figuras (transcendentes) da união intermediaria de uma Psique, que habita com certa tranqüilidade vivências do encontro com Eros. Sofrimento explicitado - dessa forma diferente - por exemplo, no poema Adivinha; O que é impalpável/ mas/ pesa // O que é sem rosto/ mas/ fere // o que é invisível/ mas/ dói. Aqui o “encontro” é nítido, pois, Eros vem amar e some (impalpável); esconde sua identidade (sem rosto); fere ao amar e ao partir; mas, mesmo invisível machuca; no bom ou mal sentido. Portanto, o encontro da psique de Orides se dá no imaginário. E ali, a poesia é uma vida calma, coerente, criativa.

A alma da poeta entrega-se toda às imagens, na encubação, gestação e nascimento do símbolo: Ouvir um/ pássaro/ é agora ou/ nunca… (Cantiga) …Pano branco/ integralmente branco//…para receber o sangue/ de todas/ as coisas…(Toalha). E nesse mergulho profundo (ao fundo), de todas as partes vivas nas imagens formadoras da unidade interior -da alma habitando seu deus- ela vive, provavelmente, estados de delícia (ou felicidade?) esquecendo o corpo magro e cada vez mais debilitado. Essa força física, biologicamente necessária, é inteiramente trocada pela resistência simbólica do poema, onde o conteúdo forma as imagens de sua vida e de sua força (a outra).

A poesia de Orides, em nada corresponde a suas atitudes nas relações sociais, pois, a verdadeira amizade habita mais dentro do mundo interno. E a poesia, de formato especialmente seu, terá lirismo próprio, será amorosa, delicada, suave e compreensiva, em convívio com os personagens da natureza, seus amigos, suas metáforas de redenção, aquelas de um Eros contido no amor de Psique. Assim no poema Para C.D.A. somos tocados pela seguinte imagem: …Perdi o bonde/ (e a esperança), porém/ garanto/ que uma flor nasceu…

Para essa perfeição, buscada na síntese voluptuosa e simbólica dos personagens transcendidos, sua poesia, como dizíamos, prescinde dos elementos tradicionais da linguagem amorosa, como: paixão, amor, sexo, saudade, traição, remorso, entrega, desejo, ciúme, mágoa, corpo, frustração, retomada, despedida, encontro, ou toda sorte de relação fisiológico-sentimental entre masculino e feminino. As figuras serão: pássaro, pedra, estrada, rio, água, silêncio, ou elementos (mãos) da fisiologia, relacionados à expansão cósmica: esse mundo sedutor e de mistério do além, algo como uma vida metafórica da união amorosa percorrida pela alma, onde sua Psique vai ensinando Eros a viver, e recebendo dele uma permanente energia vital, através das figuras e do mundo solidamente fantasiado …Um pássaro/ resiste aos/ céus. E perdura./ Apesar. (O anti-pássaro).

Mario MaffioliNo entanto, quando um dos pólos apodera-se literalmente do comportamento, anulando paulatinamente o oposto - o que significa paralisar o fluxo energético global e parar a produção de libido - a poeta tende a desequilibra-se perigosamente, com um estancar repentino de vida prática. No caso, o corpo reclama através da tuberculose, ou qualquer outra doença. Vejamos o processo neste significativo poema: …Numa hora/ secreta/ as águas/ dormem// (rios detidos/ fontes inertes/ introvertido oceano)// numa hora/ impossível/ cessa o/ fluxo/ e eis a/ estrela: amor/ cristalizado (sem título).

A Teia – A teia, não/ mágica/ mas arma, armadilha// a teia, não/ morta/ mas sensitiva, vivente// a teia, não/ arte/ mas trabalho, tensa// a teia, não/ virgem/ mas intensamente/ prenhe:// no/ centro/ a aranha espera.

Teia lembra preparação entre a produção, que a poeta espera do seu rico imaginário inconsciente e a consciência, esta preparada para recolher as imagens, transformando-as em símbolos vivos. A teia, portanto, não se apresenta simplesmente como uma situação unilateral, com predominância de um ou outro dos pólos (inconsciente x consciente). Não será apenas o clima mágico do mundo interior, mas trata-se também de ação da consciência, no armar armadilhas, justamente para captar as figuras originarias da parte obscura. Não somente o rico mundo do além, na metáfora de (fantasmas) não mortos, mas sensitiva, vidente, isto é, desperta para abocanhar o poema.

E não apenas a virgem imaculada dos mistérios que estão por vir, mas prenhe para produzir e criar no centro, isto é, na mediação, onde nasce a intermediação do símbolo, para criar a figura nova e transcendente: a aranha, aquele si mesmo, que reúne na Psique todas as forças psíquicas, vindas dos mais diversos lugares. Unida a um eu (ego equilibrado), espera, para alimentar-se do símbolo, ou das visitas inconfundíveis de Eros.

Fala – Falo de agrestes/ pássaros de sois/ que não se apagam/ de inamovíveis/ pedras// de sangue/ vivo de estrelas/ que não cessam.// Falo do que impede/ o sono.

Falo: o membro erótico da libido e do despertar (também flecha de Eros dirigida a Psique), confunde-se com o pronunciar o verbo, o poema; esse produzir do falo através da fala. O pássaro é a comunicação de uma imagem primordial (arquétipo)…de sois; o sol é símbolo da criação ou do falo permanente, que se introduz em psique. E a pedra, cristaliza a imagem de que o coito é uma junção permanente, inamovível; não se apaga. Mas logo as pedras tomam vida, para que sua permanência seja igual a um ente vivo, onde corre sangue (a projeção e a identificação com o próprio corpo, ou analogia subliminar a ele; pedra que precisa animar-se). O sangue, consciente, é vivificado dentro do símbolo de Psique, isto é, dentro do inconsciente, por estar relacionado ao fogo vivo das estrelas, junto ao habitat da alma. E a energia vital da libido é acionada pelos pássaros que circulam livremente entre os pólos.

Lembrando o mito de Eros e Psique: a princesa Psique, após muito sofrer em busca do deus Eros perdido, e tentar o suicídio, desanima e é castigada com um profundo e eterno sono, do qual, somente Eros poderá acordá-la com suas flechadas de amor. A poeta transforma a flecha em falo e sinaliza que essa palavra impede o sono, ao falar no poema daquilo que impede o sono: provavelmente o amor, metaforizado nas coisas eternas; não se apagam, inamovíveis, coisas eternas. Consideremos que Orides, em várias ocasiões tentou suicídio e também se refugiava em boemia e na depressão (dormência?). Para James Hillman, são formas da psique ir em busca da alma, ou do fazer alma; caminho sedutor, repleto de dificuldades e riscos, às vezes trágicos.

Maiêutica: Gerar é escura/ lenta/ forma in/ forme// gerar é/ força/ silenciosa/ firme/ gerar é/ trabalho/ opaco:// só o nascimento/ grita.

Parece-nos que, para Orides, o silêncio é a chave e a porta de entrada no seu vasto mundo interior (ou do inconsciente: imaginário); essa força silenciosa e firme do gerar. Após a descoberta do nascer, gerar precisa despir-se das formas (in forme), para ser a força escura, difusa - a noite onde vivem os mistérios - indo à procura das imagens no trabalho opaco, noturno. E silenciosamente arranca as figuras, desse seu outro mundo, da treva, para viver as fantasias de sua autonomia. Gerar, portanto, trabalha na parte oculta, com o silêncio, instrumento oposto ao das palavras. Pois, as palavras, correspondem ao trabalho da consciência na tradução das figuras em objeto arquétipo da arte poética. Por outro lado, gritar se dá no lado consciente, isto é, no nascimento; significando a conversão da imagem do silêncio para o grito. É como se cada ser, no ato de nascer e ao pronunciar o primeiro som, tivesse rompido um silêncio de milhares de anos, situação incorporada ao inconsciente coletivo de todos os seres, em imagens primordiais. Portanto, a sua primeira fala pressupõe automaticamente a existência desse silêncio milenar, compondo sua existência anterior nessa ligação coletiva de memória arquetípica, ou melhor, a sedimentação das imagens comuns, desde o início de tudo, neste caso extraídas para a criação pessoal.

No caso da poeta, o silêncio e a fala, o gerar e o nascer, são pólos de tensão em pontos opostos, cuja manutenção equilibrada no símbolo impede também a loucura, quer dizer, a invasão absoluta de um dos lados, tanto do inconsciente, anulando a outra parte, como o da inflação excessiva da consciência de um ego aumentado, que reforçaria a máscara, anulando a fantasia. No caso, a invasão unilateral do inconsciente corresponderia, como já vimos antes, ao Eros enlouquecido, inconseqüente (que assim age enquanto não é contido por Psique) e que no caso da poesia de Orides acaba controlado por sua psique do nascimento. Quer dizer, da mesma forma que seu silêncio é a descoberta do mundo mágico, seu grito (de nascer) é sua poesia plasmada; seu símbolo realizado.

Mario MaffioliJoão: De barro/ o operário/ e a casa//…O pássaro/ faz o seu/ trabalho/ e o trabalho faz/ o pássaro//… O duro/ impuro/ labor: construir-se//…O canto é anterior/ ao pássaro// a casa é anterior/ ao barro// o nome é anterior/ à vida.

O pássaro faz o seu trabalho. Novamente temos aqui o pássaro, como mensageiro da alma (confundindo-se com a própria) que trabalha incansavelmente fazendo a casa, isto é, a construção do seu próprio ser, seu habitat, seu logos (o si mesmo, onde também habita o eu da poeta, numa síntese dos contrários). Mas esse trabalho faz o pássaro na consciência, que resgata a imaginação para o símbolo e, bem provavelmente, permite o equilíbrio consciente da poeta, quando ela enxerga realizada sua obra (incluindo a edição de seus livros, que ela mesma curte, com especial atração).

É duro construir-se; algo como Psique sofrendo na espera, para o despertar. Mas o canto, figura primordial no nascimento é anterior ao pássaro (alma) e anterior ao início da vida no mundo. Será o canto - aquele primeiro som, símbolo do feminino, que dá inicio à criação - algo como a figura de um inconsciente coletivo do nada, essa função arquetípica anterior à matéria? Ou será ele o espírito coletivo, a acompanhar a vida do mundo?

Da mesma forma, a casa, o si mesmo individual, que em termos coletivos corresponderá à mesma imagem primordial, é anterior ao barro (a consciência), no sentido de a imaginação do completo estar antes de iniciar-se a realidade. O nome – origem do arquétipo feminino da existência ou imagem da mãe geradora (e gestadora) na anima mundi (alma do mundo, ou anima(a)ção da matéria) – é anterior à vida (consciência do mundo).

Ditado: I - Mais vale um/ pássaro/ na mão pou/ sado que o vôo da/ ave além/ do sangue.// II - Mais vale o/ canto/ agreste/ do que o vívido/ silêncio branco/ além do humano/ sangue//. III - Mais vale a/ luz/ aberta/ do que austera/ noite primeva para além/ do sangue//. IV - Mais vale o/ pássaro/ mais vale o/ sangue.

O pássaro na mão é a alma sob controle da psique e, o vôo além do sangue, que para a poeta tem menor valor, é a vida consciente, racional, humana: a responsabilidade que a sociedade exige dela, o mesmo que “dar o sangue”. E note-se bem, ao representar isso de menor valor, também por uma noite primeva, corresponde a uma dúvida e a um medo em avançar no inconsciente, pois, o mergulho na imaginação também pode afogar.

Volta-se a refletir, ou a intuir o inconsciente como integridade fornecedora de imagens (o canto agreste) ação equilibrada pelo oficio da consciência que recolhe as imagens (a luz aberta). Porém, antes de partir para o desconhecido, onde pretende exercitar-se no fazer alma, paira novamente, sobre ela, a dúvida e o medo (esse necessário instrumento de contato com a alma). O menor valor dado ao vívido silêncio branco (aquele que sempre foi corajosa chave da porta de entrada no inconsciente), por acaso representará o medo e a dúvida em relação a rupturas com os elementos geradores do aquecimento da libido? E, nesse caso, não seria perigoso voar sem reabastecer? Ao ter procedência tal temor, digamos que esse fato confirma a situação equilibrada da poeta, considerando tratar-se de reflexão ponderada, que atesta a presença do cuidado em prevenir-se, quando se trata de planejar ações de profundidade.

Mas, na quarta e última estrofe do poema, passamos a observar que, apesar das dúvidas e temores da poeta, ela acaba valorizando equilibradamente o todo; tanto o pássaro, como o sangue, pois, para chegar à noite primeva é requisito atravessar o sangue, o sofrimento, e as provas de amor, inclusive suportar a flecha de Eros e a dor necessária.

Pesca: I – A beira do rio o silêncio/ dos peixes/ a beira do rio nem/ a espera.// II – A água não cessa/ e o rio/ nunca passa.// III – A beira rio/ a lucidez/ a/ pedra// e a pedra é/ pedra: não germina./ Basta-se.

O rio é a (bela?) paisagem do inconsciente (imaginação ativa)? Neste caso já transcendido (transformado) em símbolo de água vitalizada pela corrente das coisas imponderáveis? A psique da poeta permanece à beira desse rio, numa posição confortável de visão e reflexão. O silêncio é a abertura para a entrada do clima perfeito de integração, tão profundo, ao ponto desse silêncio ser figurado na vivacidade dos peixes. Os peixes são vivos, silenciosos e integrados absolutamente ao rio da própria vida interna e ao caminho percorrido pela alma (a água não cessa); um silêncio necessário para energizar a vida. Não há espera, porque nessa imaginação vitalizada, em que agora a poeta seguramente está mergulhada, as figuras borbulham e a libido não cessa.

Uma imagem dinâmica é desencadeada, na medida em que dois extremos são criados como pólos em posição de gerar energia: de um lado “a água não cessa” de outro “o rio nunca passa”. E dessa relação para produção de imagens, nasce o novo símbolo, deslumbrante: a lucidez e a pedra. Outra vez a pedra é o vivo espelho do próprio ser vital, pois ela não germina, é a filha de si mesma ao desdobra-se em outros eus, sendo cada um o reflexo da poeta, algo como a psique despertada, reunindo em si as varias funções do Eros integrado, o si mesmo: união do mundo interno (e noturno) do imaginário com a consciência de luz do dia.

Talvez, um mergulho tão profundo e sedutor, que arrebata o símbolo de Eros, de tal forma, para a extremada vitalidade da fantasia, tenha sido a causa do eu ter ficado tão desprezado. E provavelmente, neste caso, a consciência ressente-se da falta de energia e deixa penetrar a tuberculose pelo corpo ressequido. Provavelmente tenha faltado à poeta um pouco de água do rio caudaloso, para dar de beber à consciência. Feito peixe vivo, seu imaginário deliciou-se na água, onde o corpo humano tem limites de resistência sem respirar, e Orides Fontela passou a viver um silêncio cósmico: “…a estrela da tarde está/ madura (…) depois dela só há/ o silencio (Vésper)

Escrito por: José Carlos A. Brito

Desregrada, solitária e boêmia, poeta Orides Fontela permanece no anonimato

Esqueçam por um minuto as escritoras brasileiras mais conhecidas. Atenham-se demoradamente às linhas de Orides Fontela (1940-1998), uma poeta que ainda permanece no anonimato literário por conta de seu temperamento amargo e explosivo. Seu talento, porém, nunca fora negado desde os versos iniciais que compôs.

Orides fez parte da "geração de 60". Publicou seus primeiros poemas em 1956, no periódico "O Município", de São João da Boa Vista. "Transposição", primeiro livro de poesias, foi lançado em 1969.

"Helianto" (1973), "Alba" (1983; vencedor do Prêmio Jabuti de Poesia), "Rosácea" (1986), "Trevo 1969-1988" (1988) e "Teia" (1996) foram editados na sequência e entraram para o rol de livros raros de se encontrar em livrarias e até em sebos. Os dois últimos ficaram esgotados durante alguns anos.

Em 2006, parte da obra de Orides --"Transposição", "Helianto, "Alba", "Rosácea" e "Teia"-- foi compilada em um exemplar pela Cosac Naify, "Poesia Reunida [1969-1996]", com bibliografia ampla e atualizada. No mesmo ano, a obra ganhou o prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), na categoria "Literatura: Poesia".

Os versos de Orides fazem uma leitura filosófica da literatura. Seus desajustes são traduzidos por meio de um tom lírico e simbólico. A poesia, no estado metafísico e móvel dos seres.

Entre o ser e o nada, numa alusão à filosofia heideggeriana, os poemas descrevem a brevidade mundana. Espelho, pássaro, flor, tempo e a própria fala tornam-se quase criminais, porém essenciais como registro de mundo. As estrofes nascem problematizadas e querem mostrar para o leitor que as felicidades são mau agendadas por estado de natureza.

O mundo proporcionou à poeta momentos agudos de depressão e solidão, além de dificuldades financeiras. Tanto que ela recebeu apoio dos amigos Antonio Candido, Davi Arrigucci Jr. e Marilena Chauí. Seu drama pessoal era traduzido além da página. O peso da realidade lhe conduzira várias vezes ao suicídio.

Orides passou seus últimos anos na Casa do Estudante Universitário, região central de São Paulo. Morreu em 2 de novembro de 1998, na Fundação Sanatório São Paulo, em Campos do Jordão, vítima de tuberculose.

Escrito por: PAULA DUME