domingo, 12 de dezembro de 2010

A POETA ORIDES FONTELA

Hoje, não peçam razão,me lembrei da poeta Orides Fontela. Só a vi uma vez, uma única vez, por ocasião do seu livro Teia, lançado na bienal quando ainda era no Parque Ibirapuera, em São Paulo. Na época, uma noite de junho, as bienais por aqui sempre eram no frio, eu tinha por companheira a antropóloga Rosangela Borges. Aluna da doutora Marilena Chauí, de quem Ordides foi colega na faculdade de filosofia da USP (Universidade São Paulo), logo me foi avisando: Orides seria alguém intratável, de poucos amigos e sorriso nenhum.

Tinha, por incumbência da revista Manchete, ir vê-la.Fui ao estande onde ela lançava o seu Teia. Fui preparado, certo de ver uma senhora sisuda, atrás de uma mesa, assinando seu livro. Dei com uma mulher sem pintura no rosto, calça jeans, camiseta, sapatos baixos, de pequena estatura. Era a própria. Fui dizendo o que queria, maravilhado pelos versos de Teia.

A poeta, que julguei malcriada, apanhou um cigarro e me puxou pelo braço. Deixa eu terminar de assinar esses livros e te falo, ela disse. Já meio tarde da noite, saímos, ela, Rosangela e eu. Perguntou-me onde havia um bar mais perto. Fomos a pé. Pediu cerveja, eu cachaça, Rosangela não bebia. Começou a me contar da vida. Me chamou duas vezes de menino bonito. Era de uma cidade do interior paulista, São João da Boa Vista. Os pais, sem instrução, trabalhavam na roça. Por lá mesmo ela fez a escola normal. Lecionou em grupo escolar. Veio a São Paulo,fez filosofia na USP, morou em república. Especializou-se em Pascal. Um dia me disse que ficou louca. Morava num apartamento pequeno, no centro de São Paulo. Chegou bêbada em casa. Tocou fogo em tudo. Quase foi indigente. Uma amiga não permitiu. E levou-a consigo para a casa do estudante, na avenida São João. Deve ter sido por lá que concebeu os versos de Teia.

Uma noite, pelo poeta e amigo Álvaro Alves de Faria, soube que Orides havia morrido. Tuberculosa, num hospital público em Campos do Jordão, uma cidade do Vale do Paraíba, em São Paulo, de clima frio, apropriado para doentes do pulmão. Soube mais pelo poeta: só não foi enterrada como indigente por conta do médico que a tratou. Um ano depois, uma grande editora publicou sua obra completa numa edição de luxo, o que não era do seu costume de mulher simples.Foi feito um lindíssimo ensaio do professor Antônio Cândido,o maior crítico literário brasileiro e um de seus poucos amigos. Mas ela não teve tempo pra ver, como geralmente acontece com os grandes poetas.

Um pouco dela.

POLICIAL

Culpados
ou
cúmplices
nunca temos
álibi:

por força,
estamos
aqui.


TEOLOGIA

Não sou um deus. Graças a todos
os deuses!
Sou carne viva e
sal. Posso morrer.

___________
O.F.

Autor: Júlio Saraiva.

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